Novo guia identifica estratégias para melhorar a vida dos peixes de aquacultura | - CCMAR -
 

Novo guia identifica estratégias para melhorar a vida dos peixes de aquacultura

 

Estudos recentes mostram que os peixes são animais sensíveis e dotados de senciência, isto é, são capazes de sentir o ambiente que os rodeia. No entanto, estas características dos peixes não foram ainda refletidas na indústria da aquacultura, que começa agora a dar os primeiros passos para assegurar o bem-estar de peixes cultivados

A aquacultura, seja de água doce ou salgada, é uma das indústrias produtoras de alimentos que mais cresce no mundo. Só neste setor, o número de peixes criados, transportados e abatidos todos os anos é superior a 100 mil milhões. Contudo, os tanques e jaulas utilizados para cultivar peixes não estão desenhados para corresponder às suas necessidades básicas a nível de bem-estar, sendo muitas vezes completamente desprovidos de elementos presentes nos habitats naturais.

Esta “pobreza ambiental” que se encontra no cultivo de peixes em aquacultura não só diminui o bem-estar animal, como pode ser responsável por perdas de produção consideráveis numa indústria que tem vindo a crescer globalmente nos últimos anos. Num novo estudo publicado na revista Reviews in Aquaculture, os nossos investigadores Pablo Arechavala, Maria Cabrera, Caroline Maia e João Saraiva identificam estratégias para evitar estas situações e melhorar o bem-estar animal de peixes de aquacultura. 

 

Estudo explora em profundidade o potencial do ‘enriquecimento ambiental’ em aquacultura 
O “enriquecimento ambiental” consiste em aumentar a complexidade do meio de cultivo de forma propositada para melhorar o bem-estar de animais de cativeiro. Em aquacultura, existem várias formas de o fazer: utilizando iluminação, sombras, cores e sons que proporcionam estímulos sensoriais, proporcionar convívio com outros indivíduos ou até outras espécies, simular atividades típicas de certas espécies (ex.: introduzir correntes que estimulam a natação) ou até introduzir rações que estimulam o comportamento alimentar). Com estas estratégias, consegue-se que os tanques e jaulas imitem o ambiente que os peixes encontram no seu meio natural – e os ganhos a nível de produção podem ser surpreendentes.

Embora seja uma prática comum na criação de animais terrestres, principalmente nos produtos premium, o enriquecimento ambiental em aquacultura é ainda residual. As razões desta resistência prendem-se, sobretudo, com o facto de apenas recentemente se ter descoberto as capacidades de senciência dos peixes, e pelo foco da indústria em parâmetros de produção, deixando pouco espaço para mudanças de protocolos de trabalho. No entanto, o estudo agora assinala os benefícios que estas estratégias podem trazer quando devidamente aplicadas. 

"O enriquecimento ambiental estimula a biologia dos peixes, promovendo, por exemplo, a resistência a doenças e recuperação de forma natural. Estamos no fundo a trazer a natureza ao encontro dos animais no seu ambiente de cultivo, e os peixes agradecem” refere João Saraiva, líder da equipa de investigação. “Para além disso, o enriquecimento ambiental pode também permitir um melhor crescimento dos animais, melhor resistência a doenças e melhor qualidade da carne, tudo isto evitando o uso de medicamentos ou produtos químicos”.

 

Soluções à medida de cada espécie
A  implementação de medidas de enriquecimento ambiental devem ter em consideração a biologia e o comportamento natural de cada espécie, e deve também ser testada para cada empresa, tendo em conta os protocolos específicos em cada passo de produção, até em qualidade e higiene do ambiente de produção. Um exemplo deste tipo de considerações encontra-se refletido no  estudo liderado pela equipa do CCMAR sobre o enriquecimento ambiental no cultivo da dourada. Este estudo demonstrou que, para esta espécie, pendurar simples cordas de sisal no centro das jaulas, desde a superfície quase até ao fundo, reproduz alguma da complexidade do meio em que as douradas habitam naturalmente e aumenta consideravelmente o seu bem-estar.  

 

Um guia passo-a-passo para implementar medidas de bem-estar nos peixes
Uma das grandes novidades do estudo agora publicado é a proposta de um guia passo-a-passo para tomar decisões sobre que tipo de enriquecimento ambiental implementar, como avaliar os resultados, e como avançar no processo. “É importante passar a mensagem que não existe uma fórmula mágica de enriquecimento que sirva para todos os sistemas. De facto, cada espécie, estado de desenvolvimento, sistema de produção, protocolos de trabalho e até tipo de empresa gera um caso único, que poderá ter uma solução diferente. É para ajudar a descobrir essa solução única, e como a implementar, que este trabalho pode ser bastante útil” afirma João Saraiva. “De qualquer modo, faz parte também do nosso trabalho colaborar com o sector para desenvolver novas medidas de enriquecimento e novos indicadores para melhor avaliar os ganhos de desempenho e bem-estar".

 

Bem-estar: o próximo grande desafio da aquacultura
Seguindo os passos da restante indústria de produção animal e com o reconhecimento das capacidades mentais e de senciência dos peixes (com as consequentes repercussões éticas), o próximo grande desafio do sector da aquacultura será o bem-estar. “Muitos selos de certificação têm já referência a medidas de bem-estar animal, respondendo por um lado à pressão dos consumidores e por outro dando resposta às descobertas científicas. De facto, algumas certificações requerem mesmo medidas de enriquecimento ambiental, como é o caso da etiqueta Friend Of the Sea” refere João Saraiva. “O futuro passará sempre pela qualidade, e o bem-estar é uma forma de melhorar a qualidade dos produtos de aquacultura. O enriquecimento ambiental é uma das formas mais diretas de melhorar o bem-estar dos peixes cultivados”.

 

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